A timidez: amazona de ferro
Rubens da Cunha*

A timidez sempre me cavalgou em situações que me exigiam presença, atitude, ou naquelas em que eu fosse o foco das atenções. Tive todos os sintomas dos tímidos: a vontade inconteste de sumir; de conceder, sem pestanejar, uns dez anos de vida por um buraco no chão que me levasse à China; uma cortina que me tampasse para sempre; uma parede qualquer que tivesse um portal mágico para debaixo da cama. Sempre sonhei com a invisibilidade. O desejo maior: estar sem ser visto. Deve ser lindo.
Ser tímido é uma agonia. Eu queria mesmo era ser discreto. A discrição é o paraíso dos tímidos: não chamar atenção, não ser percebido, mas quando o for, não desmaiar, apenas agir naturalmente e seguir a harmonia dos acontecimentos. A discrição é um rio calmo.
A timidez é como aqueles cem metros antes da cachoeira: até se consegue escapar de vez em quando, agarrando-se em algo, ou nadando forte para as margens, porém a catástrofe iminente está ali, de boca aberta, pronta e apta para me mastigar.
Desde muito, luto para retirar o peso que carrego nas costas. Hoje, consigo morrer menos em situações públicas. Falo com mais tranqüilidade, os joelhos estão mais quietos, a boca permanece úmida e eu não viro um lago de suor. Na maioria das vezes, termino as idéias sem aquela amnésia branca que perturba os envergonhados. O papel ainda denuncia a falta de firmeza das mãos. No entanto, diante de muita gente, a timidez não me cavalga como antes.
O desespero está na individualidade. Uma pessoa me intimida muito mais do que duzentas. Sou desmanchado por aquela atenção concentrada que vem do olhar alheio. Qualquer tentativa que o outro faz de perscrutar-me, parece uma máquina de tortura.
Tento sobreviver, tento ser forte e espirituoso.
Tenho ensaios de iniciativas. Os espelhos sabem. Mas na cena real, reverto-me, e atrapalhado saio pelos cantos, culpando-me, frágil, asno sempre cavalgado
por esta amazona de ferro.
A minha timidez não chega aos limites da doença, antes chegasse. Trata-se de algo inútil que me enfraquece o espírito. Uma Mancha. Um medo denso, névoa mesmo. Apenas o sol da experiência pode dissipar esta cegueira. Espero a velhice com ansiedade, quem sabe aos sessenta não serei um simpático senhor extrovertido?
Acho estranho quando dizem que não me acreditam tímido. Alegro-me também. Se não me vêem como tímido é que meus sinais externos não estão mais tão evidentes. Assim, devo me solidificar por dentro, ser mais firme, menos domesticado e um dia, quando a timidez menos esperar, eu a derrubo, definitivamente, dos meus costados.

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